Dizíamos há dias, quando o nosso filho acabava de chegar a casa de uma nova família na Dinamarca, que estávamos vibrantes. Dissemo-lo numa altura em que ainda não tínhamos notícias substanciais sobre como estava a ser. Só sabíamos que estava bem. Talvez por isso, nos tenha sido pedido este testemunho: para irmos mais fundo e explicitarmos razões e emoções desta “vibração”.
Na verdade, e sobretudo com os dias que passam, estamos cheios de saudades. E pronto, o “testemunho” podia ficar por aqui, porque a saudade arrebata tudo e outras coisas que acrescentássemos não mais seriam do que vãs tentativas de atenuar a falta que sentimos.
Mas a saudade, esta saudade, é uma cumplicidade vibrante, pelo Heitor mas também com o Heitor, porque convive com a certeza de que o Heitor está numa nova gestação. Vão ser onze meses de transformação, de refinamento dos sentidos para uma atenção maior, de sínteses e contra-sínteses, tudo potenciado pelo contraste do que experimentar, entre comunicação e incomunicação, entre alegria e dor, entusiasmo e desânimo. Mais ainda: tudo isto acontece numa etapa do crescimento dele, que sabemos ser uma antecâmara da vida adulta, decisivo, portanto, para a forma de ler o mundo e nele se posicionar, sobretudo eticamente, que é o que mais importa.
Se, quando a primeira gestação do Heitor acontecia em nós, sentíamos entusiasmo e expectativa, também agora, que o útero é o mundo, não podemos e não queremos deixar de continuar a ser um embalo confiante para o que ele experimenta. À distância mas tão próximos quanto aquilo que o amor maior que lhe temos permite, sabemos que as nossas expectativas são só um exercício de imaginação e de desejo que, com toda a certeza, mal se aproximam do real alcance desta vivência. E sabemos isso porque intuímos que a dinâmica dos programas de mobilidade como estes da AFS tem um impacto difícil de medir. Acontece nos nossos filhos, e disso temos e teremos alguma evidência, mas acontece também a um outro nível, mais amplo e menos evidente, implicando-nos a todos nós, familiares (de origem e de acolhimento) e amigos dos jovens AFSres, aqui e onde quer que seja, e em círculos concêntricos em que – queremos crer – os valores da comunhão fraterna entre todas as pessoas na diferença se expandem e transformam o mundo.
Por esta razão, o programa de mobilidade da AFS é uma resposta adequada neste tempo em que a escala da relação se estreitou ultrapassando as barreiras do tempo e do espaço e em que o sentido de corresponsabilidade pelo respeito da dignidade de todos e pelo destino do mundo se deve intensificar.
Estas iniciativas trazem saúde para o mundo. A vivência do Heitor como AFSer há de trazer saúde para o mundo. Acreditamos nisso e agradecemos o apoio e a cumplicidade de todos os agentes desta dinâmica, sobretudo os voluntários da AFS e as famílias de acolhimento.
Helena Valentim e Paulo Carvalho
Família de Envio de Heitor Carvalho
Programa AFS Portugal – Dinamarca 2016/2017