“Crónicas Finlandesas”
“Assim passaram 5 meses. E assim me apercebo de que estou agora a meio da loucura em que me meti. E se há palavra para isto, é recompensador. É incrível o quanto nos moldamos e tornamos mudança. Em retrospectiva, não faria metade do que tenho feito se não estivesse na Finlândia. Entre sobreviver aos dias mais escuros do ano (umas curtas 5 horas de claridade), pôr os pés fora de casa e ter neve até ao joelho e bater tantas vezes com o rabo no chão que lhes perco a conta porque andar no gelo é uma verdadeira missão, este fim do mundo tem sido uma casa feliz para mim.
Tive um natal incrível, em que senti tanto amor como sentiria em casa, e fui mimada, por abraços e beijinhos (que são tão raros!) e por presentes como meias de lã – necessárias – e sudokus porque sabem que ando sempre atrás do sudoku que todos os dias vem no jornal. Foi uma experiência de natal completamente oposta à minha realidade em casa, em que o silêncio reinou na mesa de jantar e a comida não alimentava um batalhão por 3 semanas. Foi calmo, familiar, quente, com muitos sorrisos, e a certeza de que terei para sempre a minha família finlandesa.
Estou longe de falar finlandês, é mesmo uma língua dos diabos, mas estou confortável, compreendo praticamente tudo, sei o que se passa à minha volta e a minha família deixou de falar inglês comigo para me ajudar a melhorar. Isto leva a situações engraçadas como me sentar numa aula e concordar com alguma coisa que alguém está a dizer em finlandês e ter a típica reação do “mas tu nem percebes”.
Tenho vivido tanta coisa nova! Fiz a minha primeira casa de gengibre (“casa” pareceu-nos pouco, construímos um castelo com alguns problemas estruturais), esquiei nos Alpes em pistas difíceis demais para as minhas habilidades, e agora vou à missa luterana em finlandês. Mergulhei num buraco no gelo, de fato de banho com -12ºC e um montão de neve.
Nem tudo é bom, claro, tenho dias de saudades terríveis e dias em que já não posso com a neve e estou farta de sentir que me vão cair os dedos, mas estou rodeada de tanta gente incrível de todos os cantos do mundo, que as coisas más passam rápido.
E há tanta coisa diferente neste país e na forma como eles fazem as coisas, mas já me parece “o normal”, mesmo que continue a ter lutas diárias com o facto de os finlandeses serem pessoas tão impessoais que não se tocam e tantas vezes que já achei que fui mal interpretada!
Está a nevar, muito, não tem parado nos últimos 3 dias – o país é um autêntico Winter Wonderland – e preparamo-nos agora para o mês mais frio do ano. Quando saí de casa o Real Feel eram -20º e eu disse a mim mesma “Hum, não é assim tão mau”.
Tenho saudades das minhas pessoas, de abraçar e beijocar toda a gente, de me sentar ao lado de alguém no autocarro (é verdade, no autocarro ninguém se senta ao pé de ninguém a não ser que seja estritamente necessário), o meu sol (que menciono tantas vezes). Mas estou mais próxima de Portugal do que nunca, o que também vejo como uma coisa boa de aqui estar.
Metade já está. E faz-me questionar o regresso, e como será estar de volta e re-adaptar-me àquilo que sempre conheci.
A partir de agora sinto-me em contagem decrescente, uma que achei que iria fazer com todo o entusiasmo do mundo, mas que faço com alguma pena, com alguns dia a desejar que o tempo passasse mais devagar.
Beijinhos a todos!”
Matilde C.
Estudante AFS 2018/2019 | Portugal – Finlândia