Tinha 17 anos quando me decidi inscrever para participar no programa AFS. Tinha sonhos de viajar e uma vontade de saber como viveriam as pessoas em outros países e comunidades. Penso que para os meus pais, tenha sido um choque – como adolescente, e talvez já desde os meus tempos de criança, faltava-me a flexibilidade necessária para me adaptar a lugares e pessoas diferentes. O ano AFS que passei em Iowa, nos Estados Unidos, transformou-me, tal como terá transformado tantos outros jovens pelo mundo ao longo dos anos.
A minha família de acolhimento era semelhante, mas diferente da minha família em Palmela. Tinha irmãs, em vez de irmãos; era a filha mais nova, não a filha mais velha; e transporte público na nossa área era escasso. Mas todos os dias me lembrava do conselho que tinha ouvido na orientação – que deveria deixar a porta do quarto aberta sempre que possível para facilitar a comunicação. Pouco a pouco, fui-me habituando ao desconhecido, a um espaço pessoal mais amplo, à necessidade de depender de uma outra família, e de uma língua estrangeira para poder comunicar.
O ano AFS mudou-me e quando voltei a Portugal, senti saudades. Não só saudades da minha família de acolhimento, mas também saudades do desconhecido e da diferença.
Durante os meus anos universitários, passei seis meses em Brno, na República Checa, e poucos meses antes de me licenciar, candidatei-me a um mestrado Erasmus para investigar a relação entre cultura e identidade. Quando fui aceite, troquei a minha vida em Portugal pela Escócia e pela França, e durante dois anos mudei de casa e de país de seis em seis meses enquanto completava o meu diploma.
O programa AFS ensinou-me que famílias existem em muitas formas. Em cada país que vivi, criei uma nova família, uma nova estrutura de apoio, pessoas de todos os cantos do mundo com quem ainda hoje mantenho contacto. Na Escócia conheci o meu marido, sul-africano, e juntos mudámo-nos para o Japão após o nosso mestrado, onde nos apaixonámos pela terra e pela cultura.
Mais de dez anos depois, continuamos a viver e a trabalhar como educadores no Japão, agora com duas crianças que nasceram aqui e que crescem com canções, brincadeiras, línguas e festivais de três culturas diferentes. Ao longo dos anos, a nossa identidade cultural também se alargou e hoje, mais que portugueses ou sul-africanos, sentimo-nos parte de uma comunidade internacional.
O que aprendi através do programa AFS – a deixar a porta aberta, a dizer que “sim” a convites e experiências, a comer comida da qual nunca tinha ouvido falar, a viver através de uma língua estrangeira, e a depender de famílias diferentes – é agora o meu dia-a-dia. Cada dia é um desafio, mas um desafio recompensador.
À medida que os anos passaram, o meu interesse na relação entre cultura e identidade cresceu. A minha pesquisa focou-se em ajudar os alunos japoneses a alargarem os seus horizontes, e as minhas aulas visam desenvolver nos alunos uma consciência global, como cidadãos do mundo. Em março deste ano acabei também o meu doutoramento acerca do desenvolvimento da competência intercultural através do contacto entre estudantes de países e culturas diferentes. O meu ano AFS influenciou não só o meu percurso pessoal, mas também o meu percurso profissional.
Há sentimentos que não mudam. Ainda hoje sinto saudades – sempre que mudei de país, deixei uma família para trás, e com essas famílias, um fragmento de mim. Mas as saudades também indicam que criei amizades fortes, que conheci e que aprendi a viver em cada um destes lugares com cada uma destas famílias diferentes. É uma vida pela qual me apaixonei e para sempre estarei grata à minha experiência como estudante AFS.